A ocorrência desta atividade ilegal ocorre em todo o país, não há um levantamento confiável para listar os estados que tem mais ou menos abate clandestino e depende de muitas variáveis
O Auditor Fiscal Federal Agropecuário, Ronaldo Gil Pereira, concedeu uma entrevista ao Globo Rural e explica sobre o abate clandestino no Brasil. O material, preparado pelo Anffa Sindical, foi publicado quase em sua totalidade. A ocorrência desta atividade ilegal ocorre em todo o país e não há um levantamento confiável para listar os estados que tem mais ou menos abate clandestino, mas depende de variáveis como disponibilidade local de grupos de animais, sonegação de taxas e impostos, baixos investimentos nas instalações e baixo custo de operação, deficiência da fiscalização em todas as fases da cadeia produtiva, facilidade de colocação do produto no mercado varejista local, desinformação do consumidor, falta de punição rígida aos infratores, poder socioeconômico e político da carne, e maior competitividade/lucro – menor condenação. Acompanhe abaixo o bate-papo na íntegra.
1 – Com relação ao abate clandestino de bovinos, como podemos classificar o Brasil?
O Brasil não possui um programa nacional para enfrentamento desse problema. O que existem são boas ações isoladas, porém, descontínuas e desarticuladas de alguns estados e municípios. Destaque-se que para adesão ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA), os estados, consórcios de municípios e municípios, necessitam apresentar um programa de combate à clandestinidade e à fraude econômica, que são em geral muito acanhados (há poucas exceções) e que nem sempre alcançam, em geral os objetivos pois sofrem descontinuidades por falta de pessoal e fatores políticos e econômicos, além de que atualmente temos menos de uma dezena de consórcios, 27 municípios e 18 estados que aderiram a esse Sistema. Portanto, o número apesar do esforço do MAPA, é extremamente pequeno. Por essa razão seria necessário a construção de um Programa Nacional de regionalização do abate e posterior desenvolvimento de programas de educação sanitária ao consumidor e que alcançasse também o setor produtivo, em articulação com todos os órgãos que participam do controle de alimentos nos estados e municípios, com recursos humanos em quantidade e com capacitação adequada. Só assim seria mitigada, de forma significativa, o problema da clandestinidade. Os quadros existentes não são em geral capacitados especificamente para atender esses objetivos e as ações muitíssimo acanhadas e desarticuladas entre os entes que participam do controle.
2 – Quais são os estados ou regiões onde mais ocorrem esse tipo de prática clandestina?
Pelo que temos conhecimento não existe um levantamento confiável para listar os estados que tem mais ou menos abate clandestino de bovinos ou outra espécie qualquer de abate. O que se tem são os fatores que propiciam ou facilitam sua ocorrência e através deles conhecendo-se e estimando-se a presença maior ou menor desses fatores é possível estimar o que ocorre em cada região, estado ou mesmo o município, pois repito sua ocorrência está ligada a muitas variáveis dentre as quais destacamos:
a) disponibilidade local de grupos de animais
b) sonegação de taxas e impostos
c) baixos investimentos nas instalações e baixo custo de operação.
d) deficiência da fiscalização em todas as fases da cadeia produtiva
e) facilidade de colocação do produto no mercado varejista local
f) desinformação do consumidor
g) falta de punição rígida aos infratores
h) poder socioeconômico e político da carne
i)maior competitividade/lucro – menor condenação
3 – O que é preciso ser feito para inibir esse tipo de prática?
Para mitigar esse problema a primeira coisa a se fazer é ter um diagnóstico, a partir de um levantamento verificar onde estão instalados e qual a capacidade de abate instalada de abatedouros em condições adequadas no Brasil. A partir desse levantamento será possível verificar os flancos, regiões desassistidas no território, e verificar se a iniciativa privada teria interesse em ali construir um abatedouro (no levantamento que há alguns
anos se fez no Brasil, a capacidade de abate era de 62 milhões de cabeças de bovinos por ano, o que é muito superior ao abate, o que faz com que os abates em geral sejam ociosos. E isso repercute nas condições de manutenção dos estabelecimentos, na qualidade e preço final do produto, desemprego, fechamento da indústria organizada etc…Portanto, a construção de um Programa Nacional de regionalização do abate e posterior desenvolvimento de programas de educação sanitária ao consumidor, que alcançasse também o setor produtivo, em articulação com todos os órgãos que participam do controle de alimentos nos estados e municípios com recursos humanos em quantidade e com capacitação adequada, faz-se mister.
4 – Quais os riscos sanitários da carne clandestina para o consumidor?
Riscos sanitários são representados por exacerbar eventuais problemas de propagação de doenças nos rebanhos, transmissão de zoonoses e elevação dos índices epidemiológicos de toxi-infecções alimentares, além de, dentre outras consequências:
Promove falsas estatísticas municipais, estaduais e federais de abate, sanidade e da produção em geral, perdendo, com isso, esses valiosos informes, muito da sua confiabilidade e importância. Também propicia prejuízos aos cofres públicos, como sonegação de impostos. Devido a concorrência desleal determina também a falência da indústria organizada e idônea. Numa situação extremada, poderia concorrer para o fechamento dos mercados internacionais p/os produtos nacionais. Por exemplo, pelo descumprimento de compromissos internacionais. É eminente e significativo os impactos negativos ao meio ambiente, especialmente aos cursos d´água afetando sua potabilidade, lençol freático, etc.
Em um país pobre como o nosso, em que as pessoas passam fome, os desperdícios para a economia nacional de preciosas matérias primas de alto valor biológico, com as zoonoses e elevação das toxi-infecções alimentares, poderia haver a elevação de gastos públicos com internações e procedimentos médicos, são incalculáveis e de grande magnitude.
Como não são observados os preceitos do bem-estar animal, promove os maus-tratos aos animais de produção. E, quando mal conduzido o abate ou em algumas plantas industriais inadequadamente instaladas no que tange a sua infraestrutura física e de equipamentos para o aproveitamento completo das carcaças vísceras e órgãos comestíveis, há também elevadas perdas por condenações parciais, totais e aproveitamentos condicionais.
5 – Por que a maioria das pessoas não se interessa em saber sobre a origem da carne consumida? E o que garante que a carne consumida é legal?
R – Simplesmente por falta de consciência sanitária ou fator cultural. Desta forma fica patente a necessidade de se promover através de um programa específico, uma ampla campanha de orientação e conscientização da sociedade, pois como citamos há problemas de ordem cultural nessa questão e também a desinformação. E o desconhecimento faz com que uma enorme parcela da população aceite ou até dê preferência à carne e produtos ditos “artesanais” quando nada tem em termos de elaboração tradicional ou artesanal ou especial como no caso da carne que não tenha sido resfriada, chamada de “carne quente”, preferida em algumas regiões do nosso país, lembrando que o resfriamento da carne é um processo benéfico e uma prática obrigatória, pela legislação.
*RONALDO GIL PEREIRA
Médico Veterinário, Especialista em Segurança Alimentar e Qualidade Nutricional pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. Auditor Fiscal Federal Agropecuário aposentado do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, aposentado. Membro de missões internacionais em Portugal, Itália, Alemanha e Suíça, para habilitação de estabelecimentos exportadores de cárneos e lácteos para o Brasil. Coordenador pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, de projetos para adesão e implantação do SISBIPOA em Estados e Municípios. Tesoureiro do Colégio Brasileiro de Médicos Veterinários Higienistas de alimentos. Ex-Diretor do Núcleo de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ex Coordenador de Inspeção Agropecuária do IVISA – RIO do Instituto de Vigilância Sanitária Controle de Zoonoses e Inspeção Agropecuária do Município do Rio de Janeiro.