Fonacate rebate matéria do Estadão sobre gastos de pessoal no Brasil, repudiando matéria publicada nesta terça-feira (18), promovendo distorções sobre a realidade do funcionalismo brasileiro
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado – FONACATE, composto por 37 entidades associativas e sindicais, que representam mais de 200 mil servidores públicos que desempenham atribuições imprescindíveis ao Estado brasileiro, repudia as distorções promovidas pelo jornal ESTADÃO em matéria publicada nesta data com a manchete “Brasil é o sétimo país do mundo que mais gasta com salários de servidores públicos”, elaborada a partir de levantamento, ainda inédito, feito pela Secretaria do Tesouro Nacional com base em amostra de 74 países.
O comparativo internacional proposto na matéria é problemático, pois a metodologia do FMI – normalmente a base das estatísticas de Governo Geral compiladas pelo Tesouro Nacional – inclui imputações contábeis de previdência que variam entre países. Por exemplo, enquanto no Brasil as despesas intra-orçamentárias (contribuição do governo aos Regimes Próprios) e a imputação contábil do déficit previdenciário inflam os gastos com pessoal, em inúmeros outros países o mesmo não ocorre.
Não está correto, ainda, afirmar que “um histórico de aumentos acima da inflação nos salários também contribui para o quadro”, haja vista que 80% dos servidores da União estão com remuneração nominalmente congelada desde 2017, e os demais não têm reposição inflacionária desde 2019. A propósito, a despeito do baixo desempenho recente da economia, com um nível atual de produto inferior ao de 2012, na União os gastos de pessoal em percentual do PIB são inferiores aos praticados 20 anos atrás.
Frise-se, ademais, que o pífio comportamento recente do investimento federal em nada se relaciona à despesa com pessoal, que vem caindo em termos reais e prossegue estável em percentual do PIB: 1,8% do PIB em 2014 para os ativos civis, e os mesmos 1,8% em 2020. De acordo com o Resultado do Tesouro, o investimento federal despencou até 2019, de 1,3% do PIB em 2014 para 0,8%, mas isto ocorreu em razão de opções políticas e de regras fiscais mal desenhadas, como o teto de gastos; sua suspensão no ano passado, por exemplo, levou o investimento federal a 1,4% do PIB.
Os números revelam também que não há exorbitância na remuneração do grosso do funcionalismo brasileiro. A média salarial nos municípios, que concentra 60% dos servidores, está em torno de R$ 3.000,00. No Poder Executivo dos três níveis federativos, que responde por 93% do quantitativo de pessoal, a média fica em R$ 4.200,00.
Nesse contexto, é evidente que o duplo teto estabelecido pela Portaria 4.975/21 do Ministério da Economia, que permite a militares da reserva, incluindo o atual presidente da República, e servidores civis aposentados computarem separadamente o teto remuneratório de R$ 39 mil, é medida mais do que inoportuna – é uma verdadeira afronta a milhões de brasileiros atingidos pelas múltiplas crises que o país atravessa, inclusive aos próprios servidores públicos.
Por certo, não é coincidência que a matéria tenha sido publicada às vésperas da votação de admissibilidade, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 32/2020, que, ao importar a malsucedida reforma trabalhista para o setor público, fragiliza as relações de trabalho, ataca a estabilidade, facilita demissões, aumenta a ingerência política, indica aviltamento salarial e lança os fundamentos de um serviço público essencialmente “ sob demanda”, em que os servidores não terão vínculos permanentes com o Estado.
Por fim, nos colocamos à disposição do ESTADÃO para debatermos esse tema no espaço público, ocasião em poderemos apontar em detalhes os problemas da comparação citada na reportagem, assim como mostrar que as despesas com o funcionalismo, em nível federal, estão estabilizadas em percentual do PIB há duas décadas e muito abaixo do limite permitido pela LRF, mesmo com a estagnação do PIB e das receitas no período recente. Além disso, que nos níveis estadual e municipal, o crescimento do gasto pós Constituição de 1988 deriva das maiores atribuições desses entes na prestação direta de serviços à população, notadamente em educação, saúde e segurança pública. Em hipótese alguma o caso brasileiro representa uma anomalia em termos internacionais.