“Se dois colegas ficarem doentes o laboratório de referência para de funcionar.”
O primeiro painel da II edição do Sedagro discutiu um tema extremamente atual: o risco de ingresso da Influenza Aviária no Brasil. Mediado pela delegada sindical de São Paulo, Gisele Camargo, representantes do governo, setor privado e academia analisaram o cenário que existe até o momento e quais estratégias o País possui para combater o vírus em caso de ingresso em território nacional.
A pesquisadora do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Talita Priscila, apresentou números atualizados que demonstram a magnitude do Brasil na produção e exportação de carnes no mundo.
Em 2022 o agronegócio foi responsável por quase 25% do PIB nacional, representado pela cifra de R$ 2,6 trilhões. Ao mesmo tempo, sustentou 20% dos empregos no País e quase metade de todo o volume de exportações (48%). O Brasil está entre os cinco maiores produtores e exportadores mundiais de carne de frango e a tendência é de que o consumo desse tipo de proteína aumente em cerca de 2% em 2023.
Assim, em razão da feliz ausência de ingresso da doença no Brasil, a Fundação realizou uma análise quantitativa probabilística que levou em conta a série histórica de doenças já ocorridas no próprio país ou em países vizinhos.
Como resultado dessa análise, foi constatado que haveria uma perda direta de R$ 7,3 bilhões em exportações do agronegócio, as quais ocasionariam uma perda adicional de R$ 6,1 bilhões em outros setores da economia, como renda, salários e impostos, ou seja, o Brasil perderia R$ 13,5 bilhões em exportações, além da extinção de 46 mil postos de trabalho.
Em complemento à fala de Talita, a Diretora Técnica da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Sullivan Alves ressaltou que o impacto econômico depende ainda da agilidade e da capacidade de resposta rápida que o País possui e apresentou as atividades nas quais o setor privado tem atuado junto ao setor público para a prevenção, capacitação, comunicação, vigilâncias passiva e ativa, diagnóstico e resposta a possíveis emergências zoosanitárias. “A situação não é estática e depende das relações comerciais. Ainda assim, trabalhamos com um Plano de Ação pré e pós ocorrência, seguimos todas as diretrizes da Estrutura Global para o Controle Progressivo de Doenças Animais Transfronteiriças (GF-TADs) recomendadas para as Américas e temos investido maciçamente em campanhas e treinamentos para os produtores, em associação com o Serviço Oficial.”
Ainda em sintonia com as colegas acima, a Coordenadora de Assuntos Estratégicos do Departamento de Saúde Animal do Ministério da Agricultura, Anderlise Borsoi, avaliou que o tempo de detecção da doença, assim como a contenção do foco são aspectos primordiais no combate a uma possível emergência, mas esbarram em uma barreira grande, a falta de pessoal. “Defesa sanitária animal se faz com gente”, defendeu. “Precisamos de gente para a coleta, detecção e contenção. Caso haja necessidade de realizar procedimentos de depopulação, vamos precisar de gente. Estamos preparados nesse sentido? Normalmente o ingresso desse tipo de doença tende a ser por meio de animais silvestres, a seguir afetando os plantéis de subsistência e por fim a avicultura comercial. Caso a emergência zoosanitária chegue até este último nível, precisaremos de gente e de equipamento. Como isso está dimensionado até agora?”, provocou.
Nesse contexto, a coordenadora informou que o DSA tem trabalhado na revisão e adequação de protocolos, campanhas de sensibilização para educar produtores e incentivá-los a notificar quaisquer eventos adversos, bem como treinamentos para auditores agropecuários a fim de que possam comandar e coordenar equipes nesse tipo de situação
Cabe destacar que o DSA é um departamento de excelência, o mesmo responsável pelas ações de controle e combate à de febre aftosa, doença da qual o Brasil possui status de país livre da febre aftosa com vacinação reconhecido pela OIE (Organização Mundial de Saúde Animal).
Desse modo, Anderlise ponderou que o País está sim preparado para uma resposta inicial, porém “caso o vírus ingresse na avicultura industrial, nós não vamos ter perna.” E complementou um uma breve análise da capacidade de pessoal nos Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária (LFDA’s). “O cenário é extremamente desafiador para quem trabalha nessas áreas, pois não tem gente. No LFDA/SP, laboratório de referência para o diagnóstico de influenza, se dois servidores ficarem doentes o laboratório para de funcionar”, alertou.
Em forma de questionamento vindo do público, foi levantada a discussão acerca da influência no setor privado para pressionar o governo a fim de apresentar investimentos direcionados a orçamento e realização de concursos no MAPA, ou, nas palavras do público: “não esperar a entrada da doença, para depois correr atrás do prejuízo.” Ao que a diretora técnica da ABPA endossou ser uma preocupação constante da organização da qual faz parte. “Nosso apoio à pauta dos auditores agropecuários não é motivada por crises. Nós entendemos a relevância do trabalho de vocês em função da pujança do País. Sabemos que os últimos grandes concursos foram precedidos de incidentes sanitários e foi só então que algo que pelo qual lutávamos há tanto tempo finalmente aconteceu, mas saibam que a crise pode ajudar, mas não é a motivação que a ABPA tem.”
A Coordenadora Técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo – CRMV/SP, Anne Pierre Helzel, reiterou o posicionamento de Sullivan. “Não teríamos tanto sucesso na produção e exportação de produtos animal e vegetal se não fossem os Affas que garantem o status sanitário do País.” Forneceu ainda importantes informações sobre processos de depopulação e mais uma vez deu destaque aos auditores agropecuários nas ações cotidianas. “Vocês que são conhecedores da região são os que mais têm autonomia para sugerir soluções.”
Por fim, em diálogo com a colega, Anderlise sentenciou: “Podem automatizar o que quiserem, mas o que faz a diferença são pessoas que conhecem o serviço.”