Por: José Antonio Simon*
Dia 13 de setembro comemoramos o dia nacional da cachaça, instituído em 2009 pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC). Propositalmente o dia em que a rainha portuguesa, Luísa de Gusmão, liberou a produção e comercialização da cachaça no Brasil em 1661. Antes proibida para não concorrer com os destilados produzidos em Portugal que possuía o monopólio sobre as bebidas alcoólicas no país. Foi preciso mobilização, boicote, protestos e algumas mortes no movimento conhecido como a primeira mobilização contra a coroa por razões políticas e tributárias. Ficou conhecida como a “Revolta da Cachaça”. De antanho até hoje o caminho foi longo, passando de um produto associado às pessoas marginalizadas e de baixa renda, aos salões internacionais e de bebidas espirituosas, às recepções de gala junto a diplomacia internacional como um produto típico e exclusivo do Brasil, reconhecido por acordos internacionais.
Produzido inicialmente nos engenhos de açúcar como um subproduto, moeda de troca para acalmar e alegrar escravizados, até se tornar o produto principal de grandes destilarias das regiões nordeste e sudeste, tornando-se conhecida como a bebida destilada de maior consumo per capita no Brasil.
Passamos de períodos em que o importante era o volume produzido para um produto sofisticado, avaliado por sommeliers que avaliam notas de aroma, sabor, madeiras, persistência, envelhecimento, regiões de produção em inúmeros concursos de avaliação.
Hoje, busca o mundo. De produto marginalizado e do qual tínhamos vergonha para uma razão de orgulho e reconhecimento, servido em recepções presidenciais e da qual nós temos sede de conhecimento, de saber como é feito, de onde vem, como se degusta e aprecia essa nobre e espirituosa bebida. Curiosos de saber que histórias ela nos conta e como ela chegou ao ponto de representar o nosso país, Brasil.
Sempre se comportando entre a legalidade e a informalidade, ela foi se enraizando pelos rincões interiores e capitais do país. Conhecida por centenas de sinônimos em todas as regiões brasileiras, da pinga do povo do sudeste, da canha dos gaúchos, cada região possui dezenas de variações de cognomes para a purinha, a branquinha, a cachaça. De cognomes afetivos a debochados, ligados à política, ao futebol, a personalidades, a familiares, elementos da fauna e da flora, geográficos, enfim, são inumeráveis.
Quem pega nas mãos uma garrafa de cachaça, oriunda de um estabelecimento registrado no Ministério da Agricultura (MAPA), provavelmente não imagina que as informações contidas naquele rótulo possuem, além do que aparenta, uma série de certificações e controles que não são visíveis para um leigo. O estabelecimento cumpre uma série de requisitos devendo ter instalações e equipamentos adequados com estrutura e normas que previnam riscos de contaminação, aplicação de boas práticas de fabricação que preconizam cuidados desde a matéria prima, que é a cana-de-açúcar, a obtenção do caldo ou guarapa, à fermentação, a destilação, a separação das diferentes fases do destilado: cabeça, coração e cauda. A cabeça é o primeiro que sai e carreia alguns contaminantes de peso mais leve, como metanol. O coração é a parte mais nobre do destilado. E a cauda que concentra resíduos e outros contaminantes mais pesados. Separa-se a primeira e a última e reserva-se o coração para envelhecer ou para consumo imediato, pura, ou em coquetéis e caipirinhas.
Na fase de envase, deve-se ter cuidado extremo e usar uma sessão exclusiva para essa atividade, com instruções específicas para evitar contaminações químicas, físicas ou biológicas. O acompanhamento em todas as fases da elaboração, por um profissional habilitado ou um responsável técnico, que responde solidariamente por qualquer problema, se faz necessário.
Com a publicação da Portaria número 539/22 que é o atual padrão de identidade e qualidade da cachaça e aguardente de cana, a primeira normativa desenvolvida pelo MAPA dentro das normas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que prevê análise de impacto regulatório na implantação de legislações e normativas legais, que possibilitou ampla discussão entre os atores envolvidos, sejam do setor público ou privado. A Portaria substituiu a instrução normativa número 13/2005.
A Portaria 539/22 regulamenta alguns anseios antigos das entidades produtoras, principalmente relativos à forma de produção e envelhecimento da cachaça, estabelecendo prazos e nomenclaturas específicas, o uso de chips de carvalho e de diferentes madeiras para envelhecimento, o termo cachaça de alambique, cachaça armazenada (quando fica menos de um ano em barris de madeira ou barris de madeira maiores de 700L), cachaça envelhecida, cachaça premium e cachaça extra premium. Todas referentes a prazos de envelhecimento em barricas de madeira. Nesse aspecto a nossa cachaça é muito versátil, devido à riqueza de nossa flora, podemos contar com inúmeras madeiras para envelhecer a cachaça, além do carvalho e amburana, muitas ainda sendo pesquisadas.
Agora, para os estabelecimentos produtores que querem se regularizar, registrar, está muito mais fácil, pois o registro é todo digital, através do site do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), www.agricultura.gov.br – sistemas – SIPEAGRO. Ainda não tem taxas de registro.
A instrução normativa 72/18 lista todos os documentos necessários e até fornece os modelos. Se houver dúvida em relação a alguma bebida ou padrão de identidade é só acessar o google e consultar “cartilhão de bebidas MAPA” e terá acesso a um compilado de legislação atualizada que contempla todas as bebidas padronizadas e fiscalizadas pelos Auditores Agropecuários, além de pequenos tutoriais, vídeos, que mostram como se registrar e usar o SIPEAGRO.
Ressalta-se que apesar da cachaça não veicular ou transmitir agentes patogênicos ou doenças por causa da sua natureza e teor alcoólico, não é incomum em produtos que não cumprem e respeitam os requisitos higiênicos e de boas práticas de fabricação, ocorrerem contaminações de forma involuntária ou falta de conhecimento ou mesmo má fé e ganância. As contaminações podem ser por cobre, furfural, metanol, carbamato de etila e outros que são compostos que dependem desde o manejo da cana-de-açúcar, à fermentação, destilação e até produtos adicionados visando a fraude e que são danosos à saúde. Por isso é muito importante consumir produtos registrados e com procedência. Porque os auditores agropecuários, além de fiscalizarem e cobrarem os cuidados necessários às boas práticas de fabricação, também coletam produtos para análise fiscal dos padrões de identidade e qualidade e de contaminantes.
Se o cidadão desconfiar do estabelecimento ou do produto, que possa estar fraudado ou falsificado, denúncias podem ser encaminhadas para o serviço de ouvidoria do MAPA, por meio de seu site.
Muita orgulha aos auditores fiscais federais agropecuários acompanharem e fazerem parte de um setor pujante e florescente como o da cachaça, que organizou as suas associações e trabalha por seus espaços buscando conquistar cada vez mais mercados com inteligência, qualidade, inovação, perseverança e mostrando orgulho por nossa terra, nossa gente e nossa história.
Saúde e vida longa à Cachaça!
*Auditor Fiscal Federal Agropecuário (SFA/RS UTRA Santa MARIA)