No contexto da segurança alimentar do país, qual é a relevância do trabalho de profissionais concursados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), dedicados a zelar pela qualidade dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro? É impossível avaliar, a julgar pela forma como essa carreira secular, vem sendo tratada pelo governo federal, no âmbito das reivindicações por reestruturação e do Projeto de Lei 1293/2021, conhecido como PL do Autocontrole.
Ao contrário, a sensação é de que todo o empenho da carreira, com atuação impecável durante a pandemia, pouco significa diante da tentativa de se esvaziar funções inerentes ao poder de polícia do Estado. Nesse caso, estou me referindo ao PL do Autocontrole, que permite ao setor produtivo do agronegócio assumir a fiscalização e a auditoria dos seus próprios produtos, retirando dos affas a principal e mais nobre atribuição de impedir que sejam consumidos alimentos contaminados e de baixa qualidade, assim como, evitar a entrada de pragas e doenças em território nacional.
A luta da carreira por reestruturação e pela manutenção de direitos funcionais regidos por lei, é uma só, afinal ambas afetam diretamente o desempenho profissional dos affas, e consequentemente, a defesa agropecuária do Brasil. Além do risco à segurança alimentar, o PL do Autocontrole abre um precedente perigoso para que se faça o mesmo com outras carreiras de auditoria e fiscalização. É fato e é lamentável que um projeto que mal tramitou no Congresso tenha sido aprovado com tamanha velocidade, mas felizmente, com apoio de vários senadores, há boas perspectivas de se reverter essa situação, com o recurso interposto pelo senador Paulo Rocha (PT/PA) e assinado por vários parlamentares.
É lamentável também que neste mês de aniversário da carreira, comemorado no dia 30 de junho, à sombra do descaso do Estado e da tentativa de esvaziamento das funções exclusivas dos affas, seja necessário relembrar o quanto essa carreira vem contribuindo para engordar os números positivos de desempenho do agronegócio. Por essa razão, o ANFFA Sindical, que representa a carreira em todo o país, recorreu à Fundação Getúlio Vargas (FGV) para comprovar, com dados colhidos diretamente junto ao Mapa, que haveria grandes perdas para o agro, caso os auditores agropecuários parassem de exercer suas funções, especialmente, durante a pandemia.
O estudo da FGV avaliou cenários de perdas para o agronegócio, caso doenças e pragas atingissem a produção agrícola sem a interferência dos affas. Segundo a FGV, um surto de febre aftosa no Brasil, por exemplo, acarretaria perda direta de R$ 1,4 bilhão nas exportações. O mesmo ocorreria caso a Peste Suína Africana (PSA) abatesse suínos, gerando prejuízos em torno de R$ US$ 5 bilhões de dólares, o equivalente a um grande desastre, visto que o Brasil é o quarto maior produtor e exportador de carne suína do planeta. E, se houvesse ocorrência da gripe aviária no país, o estudo estima que a perda direta seria de R$ 201,48 milhões.
Para ser mais específico, segundo o estudo da FGV, os riscos de perdas para o agronegócio, se os auditores agropecuários tivessem paralisado as atividades na pandemia, chegariam a R$ 25,7 bilhões, em termos de exportação para a agricultura.
Para a agroindústria, atingiriam R$ 17,9 bilhões. Os demais setores juntos experimentariam uma perda de R$ 1,3 bilhão. Vale ressaltar também que todo esse trabalho vem sendo realizado por 4.500 affas, sendo apenas 2.484 na ativa, para atender às mais diversas demandas nacionais.
Os affas estão nos campos, nas fronteiras, nos aeroportos, nos laboratórios oficiais, nos locais de abates de animais, nos frigoríficos e em outras plantas de trabalho, sempre atuando de forma assertiva. Nesse momento de mobilização, a carreira reivindica direitos pelo justo desempenho de suas atividades.
Estamos cientes de que o Brasil e a maior parte do mundo passam por enorme turbulência na economia, mas, sem sobrepor a esse contexto, os affas querem respeito e tratamento justo, com reposição de perdas inflacionárias de mais de cinco anos; e concurso público para suprir a enorme carência de mão de obra da carreira.
Se é para tirarmos lições e aprendizados dessa luta por reestruturação e pelo direito a exercer plenamente o nosso ofício, uma delas está muito evidente – vale a pena seguir em frente, sem medo do desgaste ao reivindicar justa remuneração e pelo devido reconhecimento do trabalho prestado pelos auditores fiscais federais agropecuários, no exercício dessa atividade tão nobre e gratificante.
* Janus Pablo Fonseca de Macedo é presidente do Anffa Sindical – Sindicato dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários