Por Antonio Andrade*
No início de março, as entidades representativas dos grandes abatedouros frigoríficos do Brasil solicitaram ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a redução do prazo legal de 5 dias para 3 dias para emissão do certificado sanitário internacional, um documento indispensável à exportação da carne brasileira.
A área técnica do Mapa manifestou a impossibilidade de atendimento ao pleito. Ainda segundo o setor, que abriga o Serviço de Inspeção Federal, conhecido pelos brasileiros como SIF, o prazo médio para emissão do documento em 2024 foi de 4,21 dias e em 2023 foi de 3,49 dias. Na terça-feira, 26 de março, o Ministério da Agricultura publicou a Portaria nº 666, reduzindo o prazo para emissão do certificado de 5 para 4 dias e a “autorização tácita”, caso o prazo não seja cumprido.
O Sindicato que representa os Auditores Fiscais Federais Agropecuários, Anffa Sindical, questionou a exequibilidade do novo prazo e denunciou a quebra de acordos bi e multilaterais do Brasil com a possível emissão de certificados sem a chancela oficial dos auditores.
Na quinta-feira, 28 de março, foi publicada a Portaria Mapa nº 667 que revogou a anterior e, de forma arbitrária, em sentido contrário ao posicionamento da área técnica da pasta, destituído de qualquer razoabilidade, reduziu o prazo para emissão do certificado para 2 dias e retirou a possibilidade de “autorização tácita”. Ainda que se alegue que o ato se deu com a finalidade de atender à demanda do setor produtivo, salta aos olhos a descoordenação e imprevisibilidade do órgão e o fato de que a redução ultrapassa até àquela requerida.
Ato contínuo, as entidades representativas do setor privado propõem a regulamentação da Lei do Autocontrole (nº 14.515/22), sugerindo que um técnico habilitado pago pela própria indústria audite o abate, avalie a emissão dos certificados e até elabore termos de infração e penalidade, restando ao auditor agropecuário apenas o carimbo final, não somente da carne exportada (cerca de 30% da produção), mas principalmente da carne consumida pelos brasileiros (cerca de 70% da produção).
De acordo com o Decreto nº 10.178/2019, as atividades na Administração Pública são classificadas em graus de I a III, de acordo com a gradação de risco (leve, moderado ou alto) da atividade econômica desenvolvida. Ou seja, de acordo com o potencial de lesividade ao interesse público (saúde, meio ambiente, ordem econômico, entre outros.). As atividades objeto de auditoria agropecuária têm o mais alto grau de risco associado.
Com efeito, as auditorias dos produtos de origem animal são extremamente complexas e exigem análise detida das condições de sanidade do produto, mediante a inspeção dos animais, das carcaças, dos equipamentos, instalações e meios empregados desde a produção no campo até o abate, a fim de assegurar a obtenção de produtos que atendam aos padrões de qualidade, que não apresentem riscos à saúde, à segurança e ao interesse do consumidor.
Se o interesse público subjacente é a proteção à saúde e a proteção do mercado consumidor de produtos de origem animal, a redução abrupta em 60% do prazo para a realização dessas atividades vem a diminuir, senão exaurir, a eficácia das auditorias.
O prazo de 2 dias é flagrantemente insuficiente para a realização das certificações, de sorte que os auditores agropecuários ficam injustamente sujeitos à apuração de responsabilidade pela inobservância de um prazo inexequível. A finalidade do ato, portanto, não é incrementar a produtividade do setor agropecuário, a economia e menos ainda fortalecer a sanidade agropecuária. Não tem outro objetivo senão punir os auditores agropecuários em mobilização por melhores condições de trabalho desde janeiro de 2024, embora, ainda assim, cumprindo o prazo regulamentar e histórico de 5 dias para emissão dos certificados em 2024.
Atualmente, 2.348 auditores agropecuários estão em atividade, com cerca de 20% em condições de aposentar. O Mapa afirma que a defasagem é de 1.620 auditores. O concurso público em andamento contempla apenas 200 vagas. A média remuneratória dos auditores agropecuários é 50% inferior às outras carreiras de auditoria do serviço público federal. Não recebem por insalubridade, embora trabalhem com risco de doenças transmitidas dos animais ao homem, nem por horas extras trabalhadas, embora entrem no frigorífico às 4 horas, quando os animais estão ainda vivos, e não raro deixam as atividades à noite.
Portanto, a utilização do aparato estatal como instrumento repressivo da legítima atuação política dos auditores agropecuários, com o propósito de punir os servidores com cargas de trabalho que correspondem a mais do que o dobro daquela experimentada atualmente, para cumprir atividades complexas e numerosas em prazos exíguos e inexequíveis, se distancia do interesse público.
*Antonio Andrade é Diretor de Comunicação e Relações Públicas do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), médico veterinário e auditor agropecuário.
**Os artigos publicados não traduzem a opinião do Anffa Sindical. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos temas sindicais e de refletir as diversas tendências do pensamento.