As políticas públicas – que traduzem a ideia de valor, transferência de bens e prestação de serviços – são normas de ordem pública e por isso valem para todos, inclusive para aqueles que nada fizeram para sua concepção, formulação e implementação. O mesmo raciocínio vale para os acordos e convenções coletivas de trabalho, cujas conquistas beneficiam a todos, sejam filiados ou não à entidade que os construiu e implementou.
Por Antônio Augusto de Queiroz (*)
As políticas públicas – que traduzem a ideia de valor, transferência de bens e prestação de serviços – são normas de ordem pública e por isso valem para todos, inclusive para aqueles que nada fizeram para sua concepção, formulação e implementação. O mesmo raciocínio vale para os acordos e convenções coletivas de trabalho, cujas conquistas beneficiam a todos, sejam filiados ou não à entidade que os construiu e implementou.
Esta reflexão vem a propósito do momento político e econômico que se vive no Brasil, no qual não há mais espaço para o que a ciência política chama de “caroneiro”, aquele sujeito ou entidade (sindicato, partido, ONG, etc) que evita arcar com os custos de participação porque haverá outros membros que assumirão esse encargo e ele, de qualquer modo, será beneficiado pelo bem público.
A conjuntura política e econômica ficou tão adversa, por força das crises (econômica, fiscal, política e ética) em curso, que até preservar o status quo vai requerer um esforço adicional, tanto de qualificação, quanto de pressão e mobilização das pessoas e instituições.
Nessa perspectiva não basta mais as pessoas ou instituições (sindicato, partido, ONGs, etc) ficarem contra, para impedir um retrocesso, ou reivindicarem, para assegurar uma nova conquista. É preciso formular e apresentar alternativas nos dois casos. Isso vai requerer esforço e, sobretudo, qualificação ou capacidade de formulação.
Além da qualificação, que pressupõe capacidade argumentativa para demonstrar a justiça, a necessidade, a oportunidade e a conveniência de manter ou ampliar determinadas conquistas ou direitos, é preciso ampliar a capacidade de mobilização, incorporando novos recursos de poder e de comunicação com a sociedade e com os tomadores de decisão, bem como envolvendo pessoas ou instituições que antes ficavam imobilizadas na certeza de que os direitos seriam preservados ou os ganhos viriam de qualquer modo.
Assim, frente à conjuntura adversa, as forças que sempre lideravam a resistência ou o processo de ampliação dos direitos não terão mais, sozinhas, poder suficiente para manter o enfrentamento e vencer as batalhas, necessitando de reforço para que todos ganhem, seja no sentido de evitar retrocessos, seja no sentido de avançar.
A título de ilustração, podemos citar os acordos coletivos de trabalho, no caso do setor privado, e os projetos de lei sobre o reajuste dos servidores públicos. Se as entidades sindicais do setor privado não tiverem formas e meios, inclusive financeiros, para fazer a luta contra a mudança na legislação que garante os direitos trabalhistas e os previdenciários, e as entidades de servidores, igualmente, não reunirem forças para pressionar o Congresso a aprovar os projetos de reajuste, assim como para lutar contra o desmonte do “Aparelho de Estado”, não apenas não haverá ganho a curto prazo, como haverá retrocesso, conforme sinalizam os projetos governamentais.
Deste modo, ou todos (pessoas e instituições) engrossam a luta em favor de seus interesses, inclusive tirando a figura do “caroneiro” da zona de conforto, mediante sua filiação ao sindicato e a participação efetiva no esforço de qualificação e mobilização, ou todos perderão. A preservação de direitos ou a ampliação de conquistas, neste novo ambiente, portanto, vai exigir esforço adicional, com a participação de todos.
Assim, o “caroneiro”, que, sem qualquer esforço era beneficiado por políticas públicas ou por ganhos e conquistas salariais, em face do caráter coletivo das leis ou dos acordos e convenções coletivas que os instituíam, agora terá que se somar no esforço de convencimento e de persuasão das autoridades ou dos patrões, sob pena de não apenas deixar de ganhar, como correr o risco de perder.
Por isso, o servidor ou o trabalhador que não é associado ao seu sindicato ou se filia e fortalece politicamente e financeiramente sua entidade representativa ou pagará um elevado preço pela omissão. O mesmo vale para a entidade “caroneira”, que se omite da luta porque existem outras que arcam com os custos de participação sozinhas. Ou essas entidades saem da zona de conforto e se incorporam ao esforço geral, ou perderão a razão de existir e certamente serão abandonadas por seus representados.
Na dificuldade, o “caroneiro” fica exposto, em evidência. E, no caso das entidades sindicais, a própria regulamentação da “contribuição negocial”, em debate no Congresso, uma vez transformada em lei, vai deixar evidente para os trabalhadores quais são as atuantes nos processos de mobilização e aquelas acomodadas, especialmente pela participação da base nas assembleias de fixação da contribuição.
A grande verdade é que a realidade mudou e as forças que, por contarem com condições favoráveis, antes produziam resultados sozinhas vão precisar de reforço, sob pena de todos – os autênticos e ativos e os “caroneiros” ou acomodados – perderem. Se você ou sua entidade estar nessa situação, é bom começar a acordar, porque o quadro se agravou, a correlação de forças mudou e sua reversão vai exigir mais e maior esforço e participação, tanto dos que sempre atuam, quanto da incorporação dos “caroneiros” na luta.
Por fim, cabe lembrar que na sociedade capitalista todos os fatores de produção são remunerados: a mão-de-obra, tem o salário; o capital financeiro, o lucro; o espaço utilizado para produção, o aluguel; o empreendedor/empresário, o lucro, etc. E cada fator de produção deseja manter ou ampliar sua participação na renda nacional.
Nos momentos de crise, de escassez ou de dificuldade, como o atual, cada segmento buscará preservar ou ampliar seus ganhos. Logo, ou os que vivem de salário e suas entidades tomam consciência disso e entram na luta em defesa de seus direitos ou haverá transferência de renda, com a perda de espaço para os demais fatores de produção, especialmente para o capital financeiro, que tende a ser o grande beneficiário, tanto da perda de renda dos assalariados, quanto da contenção do gasto público com políticas sociais, já que o pagamento dos juros e do principal da dívida são sagrados para o atual governo.
Por todo o exposto, ou os “caroneiros” saem do imobilismo e se incorporam ao processo de luta por seus direitos ou serão expostos e pagarão um alto preço por isso. No caso das entidades, além da exposição, a tendência será de extinção pela rejeição de seus representados, que perceberão que a omissão delas, num ambiente de crise e escassez como o atual, é determinante para a transferência de renda para outros fatores de produção, como para o capital financeiro.
(*) Jornalista, Analista Político e Diretor de Documentação do Diap.