Anffa Sindical lamenta que inspeção e laboratórios estejam se encaminhando para uma possível privatização no Estado
Em meio à repercussão da terceira etapa da Operação Carne Fraca, que apontou fraude em ensaios realizados por cinco laboratórios privados credenciados junto ao Ministério da Agricultura (Mapa), o Estado passa por mudanças em sua área sanitária. No ano passado, o Legislativo estadual aprovou texto que permite a terceirização do serviço de inspeção de abates, medida que entrará em vigor nos próximos meses. Ao mesmo tempo, a Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), laboratório oficial do Estado, fecha as suas portas no dia 17 de abril, após processo de extinção.
A representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), Consuelo Paixão Côrtes, lembra que a medida já foi adotada em outros estados, como Santa Catarina e Paraná, e não teve resultado positivo. "Diversas auditorias deixaram claro que o modelo não dá certo. Os médicos veterinários que substituem os auditores não têm respaldo do concurso para agir em uma situação de risco, por questões de falta de estabilidade que, inclusive, influenciam a sua isenção", argumenta. Em seu entendimento, o comprometimento da BRF, dona de grandes marcas, como Sadia e Perdigão, em uma ação deste porte prova que as empresas não estão aptas à autorregulação.
A justificativa de apoiadores para a medida passa pela modernização do sistema de fiscalização e inspeção industrial. "O setor produtivo, com vista de viabilizar o suprimento de profissionais na função de inspeção, apoiou a medida", alega o presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), Rogério Kreber, entidade favorável à mudança. A terceirização da inspeção sanitária, expressão a qual Kreber discorda, não é o único assunto a causar polêmica.
A extinção do laboratório oficial do Estado, o Cientec, segundo o diretor de políticas profissionais do Anffa, Antônio Araújo Andrade Junior, faz parte de uma política de governos em repassar atribuições do Estado à iniciativa privada. "Não sou nenhum defensor de um Estado fortíssimo, mas estamos tratando de saúde pública e da possibilidade de a falta dela afetar a economia nacional", afirma, lembrando dos reflexos nas exportações na primeira etapa da operação.
A servidora pública que coordena o Laboratório de Microbiologia, Eliane Rossoni, enfatiza que existem apenas dois laboratórios privados no Estado aptos a realizar o serviço de análise. "Há dois anos, aconteceu de as duas instituições perderem a sua acreditação ao mesmo tempo, e o Cientec deu conta dos ensaios necessários durante o período, mandando poucas amostras para fora do Estado", recorda. Caso isso volte a acontecer, lamenta a servidora, todas as análises precisariam buscar laboratórios de outras regiões. "É obrigação do Estado assegurar a saúde pública da população, e essa medida é contrária a isso. Temos muito medo do que passaremos a consumir localmente a partir disso", relata a técnica.
Kreber, por outro lado, justifica ser usual que laboratórios enviem amostras para teste em outros estados. Mesmo assim, parte de seu trabalho como auditor fiscal permite um "pé atrás" com laboratórios privados. "Vemos, nas notas oficiais de compra de insumos, que o laboratório não adquiriu material suficiente para o número de ensaios que alega ter realizado", contextualiza, ao ressaltar que isso nunca foi observado em laboratórios estatais, uma vez que não há interesse econômico nisso.
Fiscalização centralizada de frigoríficos dividirá o território em 10 regiões
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse que a portaria que centraliza em Brasília a fiscalização de frigoríficos, assinada na terça-feira, estava em estudo desde o ano passado, durante a fase anterior da Operação Carne Fraca, e que foi "coincidentemente" publicada nesta semana. De acordo com o ministro, a centralização visa reduzir as possibilidades de interferência político-partidária sobre a fiscalização.
"Essa medida veio nessa direção, para que possamos deixar totalmente blindado o processo de fiscalização, de sanidade, de questões políticas partidárias", afirmou Maggi. Ele explicou que, pelas novas regras, que já estavam previstas em um decreto de dezembro do ano passado, o País será dividido em 10 regiões, cada uma liderada por um técnico do Serviços de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sipoa) do ministério.
A fiscalização será coordenada pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), em Brasília. "Para cada uma das regiões, um número de frigoríferos ficará subordinado a uma pessoa dentro do Sipoa, e ele terá a responsabilidade de conversar diretamente com os fiscais dessas unidades e com o público privado que demanda o serviço. Vimos a possibilidade de as reclamações chegarem ao Dipoa para que possam atuar e resolver problemas."
Na sexta-feira passada, a terceira etapa da operação da Polícia Federal mostrou que setores de análises do grupo BRF e cinco laboratórios credenciados pela pasta fraudavam resultados de exames em amostras para reduzir os níveis da bactéria salmonela. "Esse já é um projeto que estamos trabalhando há algum tempo, e finalizou-se ontem, com a publicação da portaria. Agora, falta só a publicação do regimento interno para que possa funcionar", disse o ministro.
Ele frisou que as acusações da nova etapa da operação são referentes a fatos que ocorreram entre 2014 e 2015, e que, de lá para cá, os procedimentos de fiscalização estão muito mais rigorosos.