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Biossegurança laboratorial na rede LFDA/MAPA: onde estamos e onde queremos chegar

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Por André de Oliveira Mendonça – AFFA/LFDA-SP/CGAL*
Fonte: Revista da Defesa Agropecuária

 

O termo “biossegurança laboratorial” se refere à aplicação de medidas para minimizar ou prevenir danos às pessoas que trabalham em laboratórios, aos demais ocupantes das instalações, à população em geral, aos animais e ao meio ambiente, resultantes da exposição ao material infeccioso ou toxinas. 

Enquanto a biossegurança laboratorial se refere aos princípios e práticas para a prevenção do escape não intencional de agentes biológicos e toxinas ou ainda à exposição acidental aos mesmos, a “bioproteção laboratorial” é um conceito tão importante quanto e se refere à prevenção da perda, roubo, uso indevido, acesso não autorizado ou liberação intencional não permitida dos agentes biológicos e toxinas.
Embora as versões mais recentes dos manuais da Organização Mundial de Saúde (WHO) e da Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH) enfatizem a importância da análise de riscos na definição dos requisitos construtivos e dos procedimentos que devem ser adotados para a mitigação dos riscos biológicos, ainda vale a pena mencionar, para fins didáticos, a classificação da biossegurança laboratorial em 4 níveis, conforme proposto pelo Manual “Biosafety in Microbiological and Biomedical Laboratories” – BMBL, publicado pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention) e considerado por muitos como a “Bíblia” da Biosssegurança Laboratorial. 

Níveis de biossegurança laboratorial 

Laboratórios utilizados para fins de ensino ou que trabalham com cepas de agentes biológicos que não causam doenças em pessoas adultas saudáveis são classificados como NB-1. Laboratórios NB-2 trabalham com um espectro amplo de agentes biológicos e toxinas que causam doenças em humanos com nível variado de severidade. Esses agentes e toxinas podem ser manuseados de forma segura em bancadas convencionais a partir da aplicação de boas práticas e procedimentos, dado o baixo potencial para geração de aerossóis. 

Laboratórios de alta contenção (NB-3) são destinados principalmente a manipulação de agentes biológicos com potencial de transmissão respiratória e/ou por meio de aerossóis, podendo causar infecções graves e potencialmente letais, ou provocar forte impacto sobre a saúde humana, animal, vegetal e/ou ambiental, colocando em risco o equilíbrio social e econômico de toda uma região. Laboratórios de máxima contenção (NB-4) são destinados a manipulação de patógenos de máximo risco, exóticos ou desconhecidos, para os quais não existem tratamentos ou vacinas disponíveis.

Quando se manipulam animais de experimentação contidos em equipamentos como racks ou estantes ventiladas, os laboratórios são classificados como NBA (1, 2, 3 ou 4) e quando são manipulados animais em ambientes abertos, nos quais a própria sala funciona como uma barreira primária, o laboratório é classificado como NBAg (1, 2, 3 ou 4).

Um dos fatores mais importantes na definição do nível de biossegurança necessário para determinado laboratório refere-se ao grupo de risco dos patógenos que ali serão manipulados. No Brasil, essa classificação é definida pelo Ministério da Saúde (MS), conforme Portaria GM/MS n. 3.398/2021. Entretanto, nem sempre um patógeno classificado, por exemplo, com grupo de risco 3 deverá ser manipulado em um laboratório de nível 3 de biossegurança. Essa definição deve levar em conta outros aspectos além do grupo de risco do patógeno, tais como, volume e concentração a ser manipulada, potencial de geração de aerossóis, técnicas a serem empregadas, dentre outros. Por isso, a importância da realização de uma análise de risco criteriosa em qualquer cenário.

Classificação de biossegurança dos LFDAs (Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária)

A grande maioria dos laboratórios que manipulam agentes biológicos na rede LFDA são classificados como NB-2 ou NBA-2. Laboratórios de biologia molecular que manipulam amostras previamente inativadas podem ser do tipo NB-1. A rede possui dois laboratórios de alto nível de biocontenção, sendo um instalado no LFDA-MG (NB-3) e outro no LFDA-SP (NBA-3). Ambos receberam tal classificação a partir de avaliação técnica realizada por especialista da FAO (Food and Agriculture Organization) em Gestão de Riscos Biológicos. O primeiro tem como principal objetivo a realização do diagnóstico de doenças vesiculares, com destaque para a febre aftosa, e o segundo é responsável pelo diagnóstico de doenças aviárias, como a influenza aviária e a doença de Newcastle.

Uma das grandes questões que surgem diante deste cenário é se a rede LFDA necessita de mais laboratórios de alta contenção ou de laboratórios com maior nível de biocontenção. Após amplo e profundo debate sobre o tema, envolvendo principalmente a CGAL (Coordenação-Geral de Laboratórios Agropecuários), DTEC (Departamento de Serviços Técnicos) e o DSA (Departamento de Saúde Animal e Insumos Pecuários), concluiu-se que seria altamente desejável contar com pelo menos um laboratório apto para a realização de testes e experimentos com animais de pequeno, médio e grande porte em ambiente de nível 3 de biossegurança. 

O laboratório de alta contenção do LFDA-MG foi inicialmente projetado com esta finalidade. Após recente avaliação realizada pela equipe técnica da SDA (Secretaria de Defesa Agropecuária) com apoio do expert da FAO, concluiu-se que é totalmente viável que esta estrutura venha a ser adequada para este fim. 

Laboratórios de máxima contenção biológica (NB-4)

De acordo com o site www.globalbiolabs.org, existem atualmente 61 laboratórios NB-4 em operação no mundo, sendo 25 instalados na Europa, 15 na Ásia, 14 na América do Norte, 4 na Austrália e 3 na África. Atualmente, o Brasil não possui nenhum laboratório de máxima contenção biológica. 

A necessidade e pertinência de sua instalação em território nacional foi debatida no ano de 2021 por um grupo de trabalho criado no âmbito do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) a pedido da CREDEN (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados do Brasil), o qual contou com a participação ativa de representantes do MAPA.

O grupo recomendou a construção de um laboratório nacional NB-4 com caráter multiusuário e interinstitucional. O projeto está sendo capitaneado pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) e o laboratório será construído no CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), adjacente ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, na cidade de Campinas-SP. O MAPA continua participando ativamente das discussões e avaliações relacionadas a este projeto, porém entende que não há necessidade, neste momento, de possuir uma estrutura de nível NB-4, uma vez que as demandas mais importantes no contexto da defesa agropecuária nacional podem ser atendidas em laboratórios NB-3.   

Aspectos regulatórios e o papel da COMBIOLAB

O tema “Biossegurança e Bioproteção” vem assumindo uma importância cada vez maior no contexto das decisões estratégicas do governo brasileiro, mesmo antes do advento da pandemia do COVID-19, com destaque para os grupos técnicos criados pela CREDEN para formulação de uma nova política nacional de biossegurança e bioproteção e também para identificação de infraestruturas críticas para biossegurança instaladas no território nacional. O MAPA conta com representação em ambos os grupos. 

No entanto, independente das ações que vem sendo desenvolvidas no nível central, o âmbito  MAPA instituiu, em 2017, a Comissão Permanente de Gestão de Riscos Biológicos e Biossegurança em Laboratórios da Rede Nacional de Laboratórios Agropecuários que manipulem agentes biológicos e suas partes, vírus e suas partes e príons de interesse em saúde animal (COMBIOLAB). Dentre as atribuições desta Comissão destacam-se: a análise e acompanhamento de projetos de construção, reforma e adequação de estrutura física nos laboratórios que realizam o diagnóstico animal e a classificação de níveis de Biossegurança e Bioproteção requeridos para a manipulação de agentes biológicos considerados de risco para saúde animal. A COMBIOLAB conta com a participação de representantes consultivos do GSI/PR, Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (PANAFTOSA/OPAS-OMS), Polícia Federal (PF), MS e Ministério da Defesa (MD), além de um especialista da FAO. Esta iniciativa do MAPA tem trazido enormes benefícios, especialmente por possibilitar a integração do corpo técnico especializado em biossegurança e bioproteção dos diferentes órgãos em suas diferentes abordagens, demandas e interesses. A experiência e ineditismo do processo de certificação do laboratório NB-3 do LFDA-SP com participação da COMBIOLAB, ocorrido entre os anos de 2019 e 2020, é fato incontestável neste sentido.  

A legislação nacional que trata com maior profundidade sobre a manipulação de patógenos em alta contenção também pertence ao MAPA. Trata-se da Instrução Normativa n. 05/2012, que estabelece o regulamento técnico de biossegurança para manipulação do Vírus da Febre Aftosa no Brasil e traz em detalhes os requisitos técnicos necessários para operação dessas estruturas.
Quanto aos atos normativos que impactam o Governo Federal como um todo, destaca-se a Lei n. 11.105/2005, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades em laboratórios de alta contenção, porém sua ênfase recai sobre os OGMs (Organismos Geneticamente Modificados). 

Cabe destacar ainda que, no último dia 15 de setembro, a Presidência da República publicou o Decreto n. 11.200, aprovando o Plano Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas (Plansic)  e conferindo ao MS a responsabilidade por definir e estruturar o plano para segurança das estruturas de biossegurança no Brasil. 

A despeito das iniciativas mencionadas acima, a legislação nacional ainda possui lacunas importantes no tocante à regulamentação dos laboratórios de alta contenção, tais como: inexistência de entidade nacional para certificação e autorização de funcionamento dos laboratórios; falta de harmonização de métodos para realização de análises de risco; subnotificação de acidentes e incidentes; pouca supervisão/auditagem dos laboratórios; insuficiência da definição de requisitos construtivos; inexistência de um programa nacional de capacitação voltado para a biossegurança laboratorial; ausência de uma rede nacional de laboratórios de alta contenção. Neste sentido, o Decreto n. 11.200/2022 representa um avanço importante para o preenchimento destas lacunas. 

Protagonismo da Biossegurança Laboratorial na rede LFDA

Todos os LFDAs possuem uma Seção de Gestão de Biossegurança Laboratorial (SGBIO), responsável por, dentre outras ações, promover, executar e monitorar as atividades de biossegurança nos LFDAs. No ano de 2021, as SGBIOs se uniram para elaborar uma matriz SWOT da rede e, uma vez identificadas suas necessidades comuns, elaboraram um plano de ação para aprimoramento da biossegurança na rede LFDA. O plano vem sendo cumprido à risca pela equipe e inclui: intercâmbio contínuo de informações por meio de um grupo WhatsApp; realização de reuniões mensais para treinamento e debate sobre a implementação da Norma ISO 35.001 (Gestão do biorrisco em laboratórios e outras organizações afins); elaboração de um Manual de Biossegurança comum para os LFDAs; incentivo ao funcionamento das comissões internas de biossegurança; definição e mensuração de indicadores de desempenho para biossegurança laboratorial; realização de auditorias com foco na ISO 35.001.

Um dos principais objetivos deste trabalho é desenvolver uma cultura de biossegurança entre todos os colaboradores dos LFDAs, de forma a mitigar os riscos relacionados tanto ao escape acidental como intencional de patógenos, além de reduzir ao máximo a ocorrência de acidentes e incidentes em nossas estruturas. 

O MAPA tem assumido um papel de liderança no aprimoramento dos aspectos regulatórios relacionados à biossegurança e bioproteção laboratorial em nosso país. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas não há dúvidas que estamos no caminho certo. 

Trabalhar com agentes biológicos pode ser muito seguro, desde que se tenha consciência dos riscos associados às atividades desenvolvidas e que se tomem as medidas cabíveis para sua mitigação. Esta consciência deve estar presente em todos os níveis da organização, desde os colaboradores que manipulam os ativos biológicos e que devem fazê-lo com zelo e cuidado, seguindo todos os procedimentos de segurança estabelecidos, até os gestores que precisam identificar e priorizar os recursos necessários para manutenção das estruturas, oferecimento de capacitação, aquisição de equipamentos como CSBs e EPIs e demais insumos necessários para garantir a segurança a todos os colaboradores e ao meio ambiente que cerca os laboratórios.

Cabe ainda às nossas autoridades manter sempre vivo o debate sobre a necessidade de contar com uma rede mais ampla de laboratórios de alta contenção, a partir de uma identificação clara e objetiva das demandas por tais estruturas, de tal forma a possibilitar à rede LFDA continuar dando respostas rápidas e adequadas a qualquer ameaça sanitária que afete o nosso país.    

 


* André de Oliveira Mendonça é Auditor Fiscal Federal Agropecuário e atua no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de São Paulo (LFDA-SP). Atualmente encontra-se em período de licença capacitação para cumprir a fase internacional de seu doutorado sanduíche. O doutorado, com ênfase em biossegurança laboratorial, está sendo realizado junto à Universidade Federal de Viçosa (UFV) e o estágio no exterior no laboratório GHRC (Global Health Research Complex), na Texas A&M University, EUA.  

**Os artigos publicados não traduzem a opinião do Anffa Sindical. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos temas sindicais e de refletir as diversas tendências do pensamento.

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