A falta de recursos para a defesa agropecuária e a não realização de concursos públicos não são meros fenômenos naturais nem causas pétreas. São antes de tudo decisões políticas, as quais não podemos aceitar como premissas indiscutíveis em nenhum debate
Por: Antonio Araujo Andrade Junior(*)
Nove entre dez painelistas previamente selecionados para os fóruns que tratam da defesa agropecuária do Brasil partem de dois pressupostos pétreos: “não há recursos financeiros para a defesa agropecuária” e “o governo não tem condições de realizar concursos públicos”.
Quase como um fato a provar tais cláusulas pétreas, o governo fez publicar em 30 de maio último a Medida Provisória nº 839, que corta cerca de 12 milhões de reais da Agricultura, com objetivo de atender à promessa de redução do preço do diesel. Da defesa agropecuária, tungou em torno de 3 milhões. Precisamente 2.996.839,00. Dos quais, 1,2 seria destinado à reforma e ampliação de parte da Rede Oficial de Laboratórios.
O recurso pilhado, digo, cortado, tem mais um valor simbólico que propriamente monetário. Afinal, 3 milhões equivalem a algo em torno de 1,5% do orçamento anual da Defesa Agropecuária, que oscilou nos últimos anos entre 200 e 230 milhões. Seria o correspondente a retirar 15 reais de quem recebe 1 mil. Tirou o dinheiro da pinga. Sem menosprezar a relevância dela, a pinga.
Façamos então contas simples. Segundo o próprio MAPA, as exportações do agronegócio em 2017 atingiram 96 bilhões de reais. Ora, considerando então o orçamento médio da defesa agropecuária, admitir a cláusula pétrea da inevitável falta de recursos para a defesa agropecuária do Brasil significaria admitir que o País não pode destinar mais que 0,2% das divisas com suas exportações do agronegócio para a defesa agropecuária?
E quanto ao orçamento dos Laboratórios. Com 96 milhões por ano é possível manter e investir. Então o país não pode dedicar mais que 0,1% das suas exportações para investir e manter uma rede oficial de laboratórios?
Volta e meia os defensores das cláusulas pétreas citam os Estados Unidos. Lá, é bom que se diga, por meio de cobranças de taxas, o orçamento anual da defesa agropecuária corresponde a 1,2 bilhões de dólares. Um orçamento 1.900% maior que o brasileiro.
E estamos aqui comparando somente o orçamento da defesa agropecuária com as divisas em exportações. Porém, segundo a Fundação Getúlio Vargas, o valor bruto dos principais produtos agropecuários subiu de 231 bilhões de reais em 2002 para 516 bi em 2017. A partir desses números, o percentual destinado ao orçamento da defesa vira algo milesimal.
Ainda que em 2002 a 2017 o valor bruto tenha mais que duplicado, o número de Auditores Fiscais Federais Agropecuários ativos não alterou. Éramos 2,6 mil em 2002 e continuamos 2,6 mil em 2017. Pior, agora com mais de 50% aptos a aposentar. Para ter uma ideia, em 1997 éramos 4,7 mil. E nos Estados Unidos? São nada menos que 7,2 mil ativos.
Segundo a consultoria Agrifatto, para modernizar a legislação em defesa agropecuária e reestruturar a pasta, seriam necessários 3 bilhões em 5 anos. Conta simples. Multiplique o valor das exportações em 2017 por cinco anos e teremos 480 bilhões. Quanto representa os 3 bilhões sugeridos pela consultoria? Estamos falando em algo em torno de 0,6%?
E estamos considerando que as exportações não cresceriam no período, o que não é real, pois só de 2016 para 2017 cresceram 13%. Se compararmos então o percentual destinado à defesa com o valor bruto dos principais produtos agropecuários, não passaria de 0,1%.
Portanto, a falta de recursos para a defesa agropecuária e a não realização de concursos públicos não são meros fenômenos naturais nem causas pétreas. São antes de tudo decisões políticas, as quais não podemos aceitar como premissas indiscutíveis em nenhum debate.
(*) Diretor de Política Profissional do Anffa Sindical