O debate contará com a participação do AFFA Gecemar Júnior, que tem um trabalho científico acerca do assunto. A ideia é que a categoria conheça melhor sobre a questão e possa contribuir para engrandecer o debate.
O agroterrorismo será objeto de uma live promovida pelo Anffa Sindical nesta sexta (25), às 14h. O debate contará com a participação do AFFA Gecemar Júnior, que tem um trabalho científico acerca do assunto. A ideia é que a categoria conheça melhor sobre a questão e possa contribuir para engrandecer o debate. Confira abaixo o terceiro artigo de autoria do colega a respeito do tema:
Contraterrorismo e defesa agropecuária
No fechamento de nosso artigo anterior, apontamos para o tema deste texto, dentro do que, se pretende, seja um fio condutor para discussões em torno das necessárias e urgentes providências de proteção à agropecuária brasileira. Já vimos que a partir do marco histórico dos atentados de 11/09 surge uma nova institucionalidade, cuja implantação em nosso país encontra-se em curso. Neste processo, as referências ao arranjo conceitual e normativo estadunidense é natural, como forma de melhor decidir sobre a conveniência e adaptabilidade dos mesmos a nosso próprio contexto.
Assim, propomos relacionar os conceitos estrangeiros de food safety, food security e food defense a institutos brasileiros, notadamente aqueles que constem em diplomas legais, sendo esta a forma por excelência de manifestação estatal. O Decreto-Lei nº 986/1969 lançou as bases da regulação específica de alimentos no Brasil, sobre as quais foram aperfeiçoados sistemas já existentes, como o da inspeção de produtos de origem animal (Lei nº 1.283/1950) e construídos outros marcos legais com o objetivo de promover a qualidade e inocuidade dos produtos disponibilizados por nosso parque produtivo, no que se pode reunir sob o conceito de segurança de alimentos ou segurança intrínseca do alimento.
O conceito de segurança alimentar, a par de seu desenvolvimento histórico, exemplarmente exposto neste trabalho (veja aqui), evoluiu de uma métrica de disponibilidade e acessibilidade da população ao alimento, remetendo a uma relação entre volume, distribuição e preços dos produtos agropecuários em um dado território, para uma concepção mais ampla, abarcando as condições intrínsecas do alimento posto à disposição do povo.
A busca pela autossuficiência na produção de alimentos e obtenção de excedentes exportáveis é o objetivo expresso do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), mediante estabelecimento de um sistema de estímulo ao aumento da produção agropecuária, mais
tarde tratado, sob o pacto político de 1988, na Lei Agrícola (Lei nº 8.171/1991), a qual confere ao adequado abastecimento alimentar a condição básica para garantir a paz social, ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico-social.
A Lei Agrícola, de seu turno, não apenas reuniu sob a designação de atividade agrícola a produção, processamento e comercialização de produtos e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais, mas estabeleceu a defesa da agropecuária como instrumento de política agrícola, e que foi posteriormente delimitada por seus objetivos, em atualização promovida pela Lei nº 9.712/1998, já como defesa agropecuária, simplesmente: a sanidade de lavouras e rebanhos, a idoneidade dos insumos destinados à agropecuária e a identidade e segurança dos produtos finais destinados aos consumidores.
Com o advento da Lei nº 11.346/2006, que criou o sistema nacional de segurança alimentar, consagra-se a curadoria estatal do acesso regular e permanente da população a alimentos seguros e adequados em quantidade e qualidade, fundindo então as
concepções de segurança e seguridade de alimentos sob a denominação de segurança alimentar e nutricional.
Em resumo: pelo conceito legal de segurança alimentar abarcamos os conceitos de food safety e food security.
Mas, o nosso conceito de defesa agropecuária não corresponde, ao contrário do que a tradução literal sugere, ao de food defense , utilizado pelos EUA ( veja aqui ). Em tradução livre, o termo norteamericano significa proteção dos produtos alimentares
contra contaminações ou adulterações cometidas intencionalmente, com o objetivo de causar dano à saúde pública ou prejuízo econômico. A intencionalidade e o alcance potencial ou efetivo do dano são, no caso acima, os moduladores da resposta estatal na prevenção, detecção e contenção de danos, substanciados em protocolos distintos de ação, ainda que atribuídos às mesmas estruturas e agentes responsáveis pela execução dos programas ordinários de promoção da atividade agropecuária, explicitando uma evolução desses para satisfação das necessidades de segurança que emergem a partir dos anos 2000.
É fundamental compreender que o delito de que se trata aqui não equivale àqueles oponíveis pelos instrumentos de regulação administrativa da atividade privada que tenha por objetivo o proveito econômico, seara na qual as violações de padrões tecnológicos e sanitários, as fraudes em alimentos e introduções não autorizadas de organismos em território nacional, embora ilícitas, apenas eventualmente se dão em grau que atraia a persecução penal.
Isto porque as personalidades que cometem tais atos estão em busca do proveito próprio, e neste proceder cometem as irregularidades que, em regra, encerram-se no âmbito administrativo, sob regime de responsabilidade objetiva, ou seja, que independe da intenção de tê-las cometido.
O crime de que queremos tratar aqui é perpetrado por quem busca o dano sistêmico, sempre conscientemente, mesmo que nenhuma vantagem econômica aufira. É, por isso, muito mais insidioso e capaz de recorrer aos mais diversos expedientes e nefastos atos para sua preparação e execução.
A eventual punição dos envolvidos se dará, invariavelmente, no curso de processo criminal e exige do agente estatal conhecimento, habilidades e atitudes especiais para desempenhar a atividade de contraterrorismo. O terrorismo é tratado no texto constitucional de 1988 como objeto de repúdio da República Brasileira e ao qual é endereçada a condição de crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (arts. 4º, VIII e 5º, XLIII), sendo nesta condição tratado pela Lei nº 13.260/2016, a qual caracteriza como ato terrorista usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo conteúdos biológicos ou químicos capazes de causar danos ou promover destruição em massa, sendo omissa no que diz respeito à agropecuária ou alimentos.
Concluímos, então, pela injustificável lacuna legislativa no que diz respeito a tema de tal relevância, sendo neste contexto que abordaremos o PL 1595/2019, de autoria do Deputado Federal Major Vitor Hugo (veja aqui) no próximo e último texto desta série.
Fonte: Gecemar Júnior
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