“Temos de dar conta de uma demanda que aumentou seis vezes, com menos gente, e sob a ameaça contínua de violência.”
O Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA) de Campinas/SP, responsável pela análise de amostras e confirmação de diagnóstico do vírus da Influenza Aviária em toda a américa latina, foi invadido 38 vezes nos últimos seis anos. Segundo o coordenador do LFDA/SP, Yuri Feltrin, de início a motivação dos criminosos era o furto de fios de cobre, porém, conforme perceberam que os agentes de vigilância trabalhavam armados, o objetivo das invasões foi alterado com vistas a alcançar armamento e coletes à prova de balas.
Inicialmente as invasões aconteciam no período da noite, mas após constatada a facilidade de ingresso na área do laboratório, os criminosos passaram a agir durante o dia. No último dia 15 outro episódio marcou negativamente os servidores. Às 8h20 da manhã, dois indivíduos invadiram o laboratório e renderam dois vigilantes, um colaborador terceirizado e o jardineiro. Graças à rápida ação do primeiro vigilante, que conseguiu comunicar a ação criminosa via rádio, nenhum prédio chegou a ser invadido e nenhum servidor foi abordado, porém os criminosos levaram um colete à prova de balas, três celulares e objetos com menor valor.
Com uma área extensa de 31 hectares, cercada por um simples alambrado e rodeada por extensa área de vegetação, é difícil identificar potenciais ameaças. Tais fatores facilitam a ação dos criminosos que invadiram o local poucos minutos após a vistoria das forças de segurança, dada a facilidade para ocultarem-se.
Em ocasiões anteriores já houve troca de tiros entre vigilantes e criminosos, episódios nos quais os seguranças foram alvejados. Em todos esses eventos, os boletins de ocorrência foram lavrados e anexados ao processo que a coordenação do laboratório abriu em 2018 solicitando o aumento das medidas de segurança no local, entre elas a liberação de recursos para a construção de um gradil ao redor das edificações do local, conforme indicação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).
A demanda permaneceu sem solução até março deste ano, quando enfim foi autorizada a destinação do recurso financeiro. Ao mesmo tempo, a coordenação buscou medidas alternativas que pudessem inibir a ação dos criminosos, tais como consultas à polícia militar e à guarda civil. Junto ao exército brasileiro, envidaram esforços para a realização de exercícios táticos com soldados nas imediações do laboratório, com a finalidade de inibir as invasões. Também foram realizadas melhorias da iluminação, o desmonte de instalações abandonadas que pudessem servir de esconderijo, bem como a celebração de um novo contrato de segurança e vigilância.
Este último trouxe consigo melhorias como a instalação de câmeras e sensores de alarme nas edificações, acréscimo de três postos diurnos de vigilância, e monitoramento 24h com uso de armas não letais. À parte também foi celebrado um contrato para a construção de um canil que abrigue cães de detecção.
Em parceria com as forças de segurança do Estado, os vigilantes que prestam serviço no laboratório participaram de uma palestra instrutiva ministrada pelo comandante da 2ª CIA do 35º BPMI, Capitão Pereira, que os orientou sobre linguagem corporal, comportamental e cognitiva na segurança. A instrução foi precedida de reunião do capitão com o coordenador do LFDA, a chefe do SAD e o chefe do NAG, com enfoque principalmente sobre ações e medidas adicionais para melhoria da segurança no LFDA.
Apesar da liberação do recurso necessário à construção do gradil, existe um espaço temporal até o término das obras de segurança, estimado em cerca de 4 meses. “Como é que a gente trabalha?”, questionou um servidor.
Brecha para a Influenza Aviária
Diante de tamanha insegurança, a equipe responsável pelo diagnóstico de doenças, que vinha trabalhando em horários além do expediente ou nos finais de semana em razão do alerta para o risco de ingresso do vírus da Influenza Aviária no Brasil, optou por não mais realizar essas atividades em tais horários, nos quais há menos movimento no local. “Não vamos voltar atrás enquanto a questão da segurança não for resolvida”, anunciou uma das servidoras do LFDA/SP.
“Nesse cenário as autoridades têm de estar cientes da possibilidade iminente de ingresso do vírus da Influenza no Brasil, já que existe demora na análise de amostras, bem como consequente atraso na detecção de presença da doença, pois o laboratório não funciona aos finais de semana”, alertou outra servidora. “Se não atendemos a demandas emergenciais é porque não temos segurança”, lamentou.
O LFDA/SP é um laboratório de biossegurança máxima, (NB3Ag) certificado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e o único em toda a América Latina que realiza a confirmação diagnóstica de Influenza Aviária e doença de Newcastle, ambos vírus de alta patogenicidade. Diante do alerta para a doença, servidores estavam trabalhando de domingo a domingo para atender às investigações que aumentaram em seis vezes se comparadas ao mesmo período do ano passado.
Outro servidor alertou ainda para o risco de furto de equipamentos necessários ao diagnóstico das doenças. “Até o momento houve apenas furtos de patrimônio que não chegaram a impactar de maneira significativa. Entretanto, caso os criminosos subtraiam algum equipamento mais específico, as análises vão parar na sua totalidade.”
Faltam servidores
Conforme alertou a Coordenadora de Assuntos Estratégicos do Departamento de Saúde Animal do Ministério da Agricultura, Anderlise Borsoi, durante o II Seminário sobre Defesa Agropecuária (SEDAGRO), o tempo de detecção da Influenza Aviária, assim como a contenção do foco são aspectos primordiais no combate a uma possível emergência, mas esbarram em uma barreira grande, a falta de pessoal. “Defesa sanitária animal se faz com gente”, defendeu.
Segundo servidores do LFDA/SP há um déficit de pessoal de quase 70% no local. “Temos de dar conta de uma demanda que aumentou seis vezes, com menos gente, e sob a ameaça contínua de violência” , informou uma das duas servidoras que ainda permanecem no laboratório de biossegurança.
Isso leva a outro problema sério e que permanece sem solução: o acúmulo de horas extras e a impossibilidade de desfrutá-las. “Se as duas colegas ficarem doentes o laboratório de referência para de funcionar”, alertou um dirigente do Mapa.
Ainda durante o II Sedagro, a Superintendente Federal de Agricultura do Estado de São Paulo, Andrea Moura, demonstrou, por meio de dados, que o volume de atividades realizadas pela Defesa Agropecuária não é acompanhado pelo aumento do número de affas e alertou: “Mesmo com a implantação de sistemas informatizados, precisamos de material humano.”